E aqui vão uns trechos da parte do Homem do conto “Bodas de Pérola”
Homem
-- Tenho tanta coisa pra fazer amanhã.
De uns tempos para cá Ela começou a fazer planos para amanhã. Mas amanhã ela vai morrer.
-- Amanhã, sem falta.
E foi tão maravilhosa aquela primeira vez, com juventude e o sentimento de pecado – havia deus naquela época – que ficamos horas abraçados, mortos, como mortos mesmo, assustados diante de tanto prazer
-- Eu pensei que ia morrer e você?
-- Eu também.
-- Eu podia morrer agora.
-- Eu também.
-- Eu quero morrer quando não for mais assim.
-- Eu também.
-- Eu quero morrer junto com você.
-- Eu também.
-- Jura?
-- Juro.
-- Antes de ficarmos feios e velhos.
-- É.
-- Também se um de nós ficarmos doente sem cura.
-- Também.
-- Vamos morrer juntos.
-- Hum-hum.
-- Abraçados.
-- Vamos.
-- Estou falando de verdade.
-- Eu também.
-- Jura por deus?
-- Juro, juro por deus.
-- Quem vai escolher o dia?
-- Nós o pressentiremos.
[...]
-- Amanhã
A puta velha pensa que me engana. Hoje ela já falou amanhã seis vezes. E amanhã estará menos parecida com a fotografia, a bela moça da fotografia. Ela aprendeu com as outras putas velhas a suportar um olhar sem interesse, a ficar esquecida numa festa com uma aparência de dignidade, a deitar-se com um homem sem ficar nua, a tirar manchas da pele, a não se abalar quando um que a desejava há alguns anos desvias agora os olhos, a gozar uma vez por mês, a ir ao dentista escondida, a não rir da barriga do marido às oito horas da manhã, a acreditar que mesmo assim vale a pena.
-- Amanhã, não se esqueça, viu?
[...]
-- Vamos à festa amanhã?
Morre-se muito tarde. Sem nenhuma dignidade ,o homem fica esperando, adiando, envelhecendo. Não, ninguém vai decidir a hora da minha morte, eu mesmo posso escolher, ainda tenho essa velha consciência esperta.
[...]
A Puta velha pensa, acredita!, que seu prazer ainda é o mesmo da juventude, com esses seios! Ela acredita que estou cada dia mais acostumado – à velhice! Já não fica acordada de noite para evitar uma armadilha. Já não se levanta sorrateiramente para verificar o gás. Já não tem receio de comer o que lhe ofereço. Ela se acredita em segurança, livre do pacto. É o melhor momento.
E aqui vai uma espécie de “Epílogo” desse conto...
A Empregada
Lady, chamou o Pronto Socorro quando viu o doutor Candinho e dona Juliana contorcendo-se e gemendo após o jantar. Que foi que eu fiz, minha Nossa Senhora! – repetia desesperada, achando que era alguma coisa que teriam comido no jantar.
Eles ficaram dois dias em perigo de vida no hospital e a dedicação, lágrimas e desespero de Lady não impediram que a polícia a considerasse suspeita número um: tinham encontrado arsênico na farinha de trigo. Se os patrões morressem, ela entrava, avisou a polícia.
-- Ai meu Deus do céu – gemia Lady, preta, 38 anos, feia, sem namorado.
Espero que tenham gostado. Conto com um final meio trágico, mas é aquilo: Ninguém mandou ela fazer um pacto. /lala
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