terça-feira, novembro 09, 2010

Divã

Se era amor? Não era. Era outra coisa. Restou uma dor profunda, mas poética. Estou cega, ou quase isso: tenho uma visão embaraçada do que aconteceu. É algo que estimula minha autocomiseração. Uma inexistência que machucava, mas ninguém morreu. É um velório sem defunto. Eu era daquele homem, ele era meu, e não era amor, então era o que?
Dizem que as pessoas se apaixonam pela sensação de estar amando, e não pelo amado. É uma possibilidade. Eu estava feliz, eu estava no compasso dos dias e dos fatos. Eu estava plena e estava convicta. Estava tranqüila e estava sem planos. Estava bem sintonizada. E de uma dia para o outro estava sozinha, estava antiga, escrava, pequena. Parece o final de um amor, mas não era amor. Era algo recém-nascido em mim, ainda não batizado. E quando acabou, foi como se todas as janelas tivessem se fechado às três da tarde num dia de sol. Foi como se a praia ficasse vazia. Foi como um programa de televisão que sai do ar e ninguém desliga o aparelho, fica ali o barulho a madrugada inteira, o chiado, a falta de imagem, uma luz incômoda no escuro. Foi como estar isolada num país asiático, onde ninguém fala sua língua, onde ninguém o enxerga. Nunca me senti tão desamparada no meu desconhecimento. Quem pode explicar o que me acontece dentro? Eu tenho que responde às minhas próprias perguntas. Eu tenho que ser serena para me aplacar minha própria demência. E tenho que ser discreta para me receber em confiança. E tenho ser lógica para entender minha própria confusão. Ser ao mesmo tempo o veneno e o antídoto.
Se não era amor, Lopes, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar com o solo. Eu bati a 200Km/h e estou voltando a pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez seja este o ponto. Talvez eu não seja adulta suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, Lopes, de acreditar em contos de fadas, de achar que a gente manda no que sente e que bastaria apertar o botão e as luzes apagariam e eu retornaria minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência?
Eu nunca amei aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois travessos. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.

terça-feira, novembro 02, 2010


"Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar."

sábado, outubro 30, 2010

Presságio de uma morte


Mais um dia normal na escola, ou talvez não. Os alunos começavam a chegar e ao verem uma multidão ao redor de algo, ficavam curiosos e iam até lá ver do que se tratava. Ao chegarem o seu choque era evidente, eles não falavam nada. Estavam assustados, atordoados e com o estomago embrulhado com aquela cena. Ninguém sabia o que fazer diante daquilo. Até que eu, enfim, cedi a minha curiosidade e fui ver do que se tratava. Ao chegar ao local, fiquei atordoada como todos que estavam lá. Eu vi o desespero nos olhos daquele menino caído no chão sobre uma garota. Ela estava ensanguentada, ele com a arma do crime em mãos, uma faca. Mas ele não demonstrava sentir ódio daquela menina que havia assassinado, ele chorava arrependido do que tinha feito.

Passado esse momento de choque, todos os alunos começaram a realmente entender o que tinha acontecido ali. E sentiram medo daquele menino, todos recuavam apressadamente, menos eu. Eu sabia o que havia acontecido, aquele menino havia matado uma garota, mas eu não tinha medo dele. Eu sentia compaixão. À medida que os outros alunos se distanciavam do local, eu me sentia mais presa aquele garoto. Então me aproximei dele, sem medo, sem raiva. E ele me abraçou, nenhuma palavra foi dita, ele me apertava junto ao seu corpo. E pela primeira vez aquele menino chorou. Eu sabia que nada mudaria aquela situação, então tentei confortá-lo ao máximo. E no silêncio daquele momento notei olhares curiosos, acusadores e até mesmo assustados com a possibilidade daquele menino tentar algo contra mim.

Algum tempo depois, eu estava de frente à menina morta e seu assassino. A policia chegou e o chamou para que os acompanhasse, eu vi o medo nos olhos daquele menino. Então, resolvi acompanhá-lo.

Ao chegarmos à delegacia, a tensão daquele menino só aumentava. Os policiais o olhavam com desprezo e consequentemente me encaravam por eu estar ali, ao lado de um assassino. Então, pela primeira vez ele falou comigo.

- Por que você veio? Eu matei uma menina e você ainda vem comigo pra delegacia?

- Eu não sei porque vim, simplesmente achei que era o certo a fazer. – respondi da forma mais sincera.

- Não, não era o certo. Você viu, eu sou um assassino. Embora não lembre, eu matei aquela menina. - ele parecia agitado.

- Como assim não se lembra? Você a matou, certo? – eu estava confusa.

- Acho que sim, não sei. Quando eu vi já estava com uma faca ensanguentada nas mãos .

- Eu não consigo entender. Como você não sabe que a matou? – eu o questionei.

- Eu já disse que não sei, tem algo errado comigo. E você não deveria estar aqui. É melhor você ir embora, enquanto é tempo.

- Eu não vou embora. Eu quero te ajudar. Eu senti isso desde que o vi sobre o corpo daquela garota.

- Vocês nunca aprendem não é? Aquela garota também quis me ajudar. E veja o que lhe aconteceu. – ele havia mudado repentinamente, agora estava diabólico.

- O que você disse? Você se lembra do que fez? – eu estava apavorada.

- Como eu iria esquecer? Uma menina tão linda e tão boba. Bem parecida com você.

- Mas... você me disse que não lembrava de nada. Por que agora me diz isso?

- Ora, ora, ora. Você que escolheu por isso. Você não quer me ajudar?

- Não, agora eu quero ir embora. Você está louco.

Eu me levantei para ir embora, mas ele foi mais rápido e segurou-me, tapando a minha boca para que ninguém ouvisse meus gritos. Mas ninguém apareceria, eu sabia disso. Eu estava em pânico. E ele sorria de prazer.

- Você deveria ser mais esperta. Pena que não terá oportunidade para mudar. Você sabe o que farei agora? - ele sentia prazer com o meu sofrimento.

Eu estava assustada. Ele me apertava com mais força. Dizia-me algumas coisas sem sentido. Palavras que eu não entendia, como se fossem outra língua. Ele estava eufórico, louco, diabólico.

- Você irá sentir muita dor no começo. Mas logo passará e depois você não sentirá mais nada. Você irá fazer companhia a todas as outras garotas que assim como você, tentaram me ajudar. Ninguém pode me ajudar, nem me deter. Eu sempre irei vagar pela Terra, derramando o sangue das mais belas criaturas e arrancando seus corações bondosos. E nada me alegra mais do que isso. Dorme bem, bobinha.

Ele apertou a faca contra o meu peito e vagarosamente cravou-a em mim. Eu urrei de dor, mas de alguma forma ninguém me ouviria. Ele me esfaqueou de várias formas, até que não senti mais nada. E tudo se tornou escuridão.

Eu sentia alguém me puxar, mas eu não conseguia ver quem era. Estava com medo que fosse aquele garoto. Mas essa mão me puxava com mais força. Sacudia-me. E quando eu consegui abrir os olhos, percebi que tudo aquilo havia sido um sonho. Minha mãe estava tentando me acordar, eu estava atrasada para a escola. Troquei de roupa e fui direto para o colégio. Ao chegar vi uma aglomeração de alunos ao redor de algo, fiquei curiosa e um pouco receosa. Resolvi ver do que se tratava, e ao chegar ao local. Meu pavor era evidente. No chão, estava um menino com uma faca em mãos e um corpo ensanguentado ao seu lado. O menino me encarava. Eu gritei de pavor e sai imediatamente daquele lugar.

Texto: Mairana M.


quarta-feira, outubro 27, 2010

Nada ficou


E de tudo, só restou o vazio. Ela não sentia nada por ele. Nenhum sentimento bom, como costumava ser, antes daquele dia. Nenhum sentimento ruim. Ela queria sentir raiva, rancor, desprezo. Mas simplesmente só conseguia ignorá-lo. Ele tornou-se o vazio, o nada. A sua presença não seria notada. Ela não sentiria saudades dos velhos tempos. Muito menos, o desejo de saber como tudo seria. Ela perdeu a vontade de vê-lo, abraçá-lo ou qualquer outra vontade relacionada a ele. Ela esqueceu. Assim como sempre fez. Ela sempre esquece os que nada significaram. Ou que até significaram algo, mas que acabaram por matar qualquer laço, qualquer sentimento. Todos os outros tornaram-se o nada absoluto para ela. E ela como sempre faz depois de um tombo, ergueu-se, arrumou novamente a sua roupa, ajeitou seus cabelos, tornou-se apresentável novamente e continuou a sua caminhada, como se nada tivesse acontecido. Ela supera, com a mesma facilidade e rapidez de sempre. E sempre volta mais bela e mais forte que antes.


Texto: Mairana M.

Diário de um apaixonado

Sozinho, o apaixonado tem a caligrafia da tristreza.
Aproveita a neblina para deixar recados nas vidraças.
Redige o alfabeto emendado, não suporta as letras
separadas. Pára de repente o olhar e não avança.
Observa os cachorros como anjos atrapalhados
acomodando suas asas. Comove-se com o modo que
lambem as patas, os becos das patas. Capaz de olhar
longamente os cachorros dormindo, para não aprender
nada a não ser os cachorros dormindo.

O APAIXONADO É UM
COMOVIDO À TOA.


"DIÁRIO de um APAIXONADO. Sintomas de um bem incurável"

quinta-feira, outubro 21, 2010


“Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondido e, de repente, salta para fora de mim, querendo atingir todo mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos, apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso: da solidão nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressividade torna a surgir a solidão. Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim.”

quarta-feira, outubro 20, 2010

Conto inacabado

Chovia. Havia dois homens naquele prédio, que aparentavam conversar. Tudo estava tranqüilo, até que, o homem mais velho sacou uma arma e apontou-a para o mais novo. Tudo estava acabado, ele gritava, ameaçava matar o outro homem. Ele tinha ódio, o outro apenas amor. O outro não revidava. Foi então que tudo escureceu, um som parecido com um raio naquele dia chuvoso fez com que tudo acabasse. O homem mais velho matou cruelmente o rapaz a sua frente. O que o levaria a isso? O que fez aquele homem chegar ao limite?

Direcionamos-nos ao foco de tudo, entramos em sua mente. A princípio tudo o que vemos é a escuridão, a chuva, imagens sombrias. O coração daquele homem estava tomado por sentimentos que o faziam mal e que feriam as pessoas ao seu redor, como aquele jovem que ele conhecia tão bem e tinha assassinado sem piedade. Agora vemos outras imagens em sua mente, momentos antes dele matar aquele outro homem, ele está lembrando-se de tudo o que aconteceu. Ele está conversando com o jovem, no começo não entendemos nada, ele não está concentrado, a conversa fica difusa. Mas, ele se concentra, ele quer lembrar-se de tudo e nós queremos saber o que aconteceu.



P.S : A partir daí, ninguém sabe o que aconteceu, principalmente a autora do conto.

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

sexta-feira, outubro 15, 2010

Cartas para Julieta


Ultimamente, estou péssima em tudo. Péssima para escrever, para ler, para ser simpática com as pessoas. Duvido de uma terrível TPM, é pode ser. Só estava com paciência para assistir a True Blood (seriado de vampiros), talvez porque no seriado tinha tudo o que eu estava com vontade de fazer, arrancar cabeças, maldade e extravasar a raiva (em momento algum eu disse que estava normal, portanto, não se assuste). Porém, hoje meu pai me falou de um filme que havia assistido e de acordo com ele era sem dúvidas, o melhor filme de romance que ele tinha assistido ultimamente. E ele pode falar de filmes, afinal, ele já assistiu aos filmes que temos aqui em casa, que não são poucos, na verdade, da ultima vez que fiz as contas passavam de mil filmes. Voltando ao assunto, quando meu pai falou desse filme, fiquei curiosa para assisti-lo e fiz isso esta tarde.

Cartas para Julieta, é o nome deste filme que simplesmente me enfeitiçou. Sou péssima em resumir filmes também, mas tentarei.

Sophie viaja para Verona, com o seu noivo, Victor, para uma Lua de Mel. Porém, ele está bem mais interessado em conseguir fornecedores para o seu novo restaurante do que em seu relacionamento com Sophie. Ela em um de seus passeios conhece as Secretárias de Julieta, senhoras que respondem a milhares de cartas deixadas por mulheres apaixonadas. Sem ter muita atenção do seu noivo, ela decide ajudar estas senhoras a responderem as cartas. Coincidentemente, Sophie descobre uma carta deixada há 50 anos por uma jovem apaixonada por um italiano e que perdeu a oportunidade de fugir e ficar com ele. Ela responde a carta, pois, para ela nunca é tarde quando se trata de amor. Algum tempo depois, Claire, a mulher que havia deixado a carta aparece na cidade de Verona, empolgada pela resposta deixada por Sophie. Começa então uma busca pelo verdadeiro amor. Uma segunda chance para encontrar o verdadeiro amor.

A partir daí, não vou contar o que acontece. Contar tudo perde a graça. Só digo que vale a pena assistir esse filme. Confesso, ele é bem clichê quando se trata de amor. Mas é um filme tão envolvente, tão contagiante, que até eu que não sou muito romântica me encantei. É o tipo de filme que você mal percebe o tempo passar e que quando acaba dá aquela sensação de querer mais e mais. E esse filme me fez escrever em uma semana de TPM. Sim, vale a pena assistir.



sexta-feira, outubro 08, 2010


Você não existe. Eu não existo. Mas estou tão poderoso na minha sede que inventei a você para matar a minha sede imensa. Você está tão forte na sua fragilidade que inventou a mim para matar a sua sede exata. Nós nos inventamos um ao outro porque éramos tudo o que precisávamos para continuar vivendo. E porque nos inventamos um ao outro, porque éramos tudo o que precisávamos, para continuar vivendo. E porque nos inventamos, eu te confiro poder sobre o meu destino e você me confere poder sobre o teu destino. Você me dá seu futuro, eu te ofereço meu passado. Então e assim, somos presente, passado e futuro. Tempo infinito num só, esse é o eterno.

Caio F.

segunda-feira, outubro 04, 2010


Há saudades que caminham comigo aconchegadas num lugar
gostoso que a memória tem. Sei que estão lá, mesmo quando
demoro um bocado de tempo para apreciar as histórias que me
contam. São porta-jóias que guardam encantos que não morrem.
Caixinhas de música, que, ao serem abertas, derramam melodias
que me fazem dançar com elas de novo. São saudades capazes de
amenizar o frio de alguns instantes com os seus braços de sol.

(Ana Jácomo)

sexta-feira, setembro 24, 2010

Definitivo - Carlos Drummond de Andrade

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento,perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...

quarta-feira, setembro 22, 2010


Em muitos trechos do caminho, às vezes bem longos, carregamos muito peso na alma sem também notar.A gente se acostuma muito fácil às circunstâncias difíceis que às vezes podem ser mudadas.
A gente se adapta demais ao que faz nossos olhos brilharem menos.
A gente camufla a exaustão. A gente inventa inúmeras maneiras para revestir o coração com isolamento acústico para evitar ouvi-lo. A gente faz de conta que a vida é assim mesmo e ponto. A gente arrasta bolas de ferro e faz de conta que carrega pétalas só pra não precisar fazer contato com as nossas insatisfações e agir para transformá-las. A gente carrega tanto peso, no sentimento, um bocado de vezes, porque resiste à mudança. Até o dia em que a alma, cansada de não ser olhada, encontra o seu jeito de ser vista e de dizer quem é que manda."

(Ana Jácomo)

sábado, setembro 18, 2010

DPL

Depressão Pós Livro



Com certeza você já deve ter sentido isso. Sabe aquela tristeza por ter acabado um livro? Então começa a achar que leu ele rápido demais, que foi com muita sede ao pote. Eu concordo que certos livros poderiam ser eternos e nunca ficariam chatos ou entediantes. Entramos naquele mundo, aquele mundo feito com maestria pelo escritor; no qual nos apaixonamos e enamoramos os personagens, suas aventuras ou até desventuras. Os finais às vezes ficam na imaginação, às vezes são tristes, ou até felizes e mesmo assim, fica aquela tristeza por ter acabado o livro. Mas a vida é assim, tudo tem seu começo, meio e fim. Nada é eterno. E sempre há uma história nova para ler, um novo livro para se apaixonar.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Escrever


Escrever me faz evoluir, alimenta a minha alma. Cada palavra escrita é como um pedaço meu que eu entrego e que expressa o que sinto. Uma parte de mim é deixada em cada texto que escrevo. As minhas opiniões e percepções intensificam-se. Às vezes é como se cada texto escrito desse origem a um novo ser, uma nova parte de mim desconhecida e isso aumenta a minha insana vontade de escrever mais e mais. Assuntos banais agora me interessam. Quero descrevê-los. Explicá-los. Desenvolvê-los. Quando escrevo, o meu lado que não consegue expressar sentimentos é isolado e dá espaço aquele que consegue expor tudo o que sente, sem medo algum. Escrever para mim é abraçar a minha alma e escutar tudo o que ela tem a dizer, é prestar atenção ao que sempre grita dentro de mim e não consigo ouvir, é dar atenção a mim mesma. Você já experimentou essa sensação? Abraçar a sua alma, prestar atenção em suas palavras e depois transcrevê-las para que outras pessoas ou apenas você mesma consiga entendê-la? Eu faço isso constantemente, como estou fazendo agora. Estou aqui ouvindo tudo o que minha alma tem a dizer e essa sensação me deixa maravilhada, é como se eu pudesse tocar a minha alma, tê-la bem ao meu lado e simplesmente conversar com ela, entendê-la melhor.

Escrever me dá asas, posso voar na minha imaginação. Posso fazer o que quiser e pensar o que quiser sem me importar com mais nada. Escrever é organizar os meus pensamentos mais incompreensíveis. Quando escrevo compreendo os meus defeitos e qualidades, me conheço melhor. E assim, quem lê também me entende, não completamente, mas o suficiente.

Escrever para mim é me descobrir nova e revigorada a cada parágrafo. É me conhecer cada vez mais. Escrever é me expressar. E essa foi a forma que encontrei para expor o que não consigo simplesmente falar. Por isso escrevo.


Texto: Mairana M.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Caio Fernando Abreu


Jamais teria sido guerreiro ou explorador de novas coisas ou um descobridor ou um cientista ou um astronauta: seu heroísmo residia na defesa, não no ataque. O máximo que pediria a Deus, se acreditasse nele -e acreditava- seria não permitir jamais que saísse de si próprio, nem avançasse além do que, descuidado, já avançara. Pois que, avançando, era obrigado a anexar o que descobrira, e não tinha forças nem vontade de reformular todos os dias o seu ser de cada dia. E olhando fora de si, pressentia avisos, seculares avisos de sangue de que o que o esperava não tardaria. A isso chamava, amável, de uma esperança. Em nenhum momento permitiria a si mesmo duvidar da concretização das esperanças, do que chamava esperanças.

segunda-feira, setembro 13, 2010

Tati Bernardi


Eu me descubro ainda mais feliz a cada pedaço seu e de tudo o que é seu. Às vezes você é tão bobo, e me faz sentir tão boba, que eu tenho pena de como o mundo era bobo antes da gente se conhecer. Eu queria assinar um contrato com Deus: se eu nunca mais olhar para homem nenhum no mundo, será que ele deixa você ficar comigo pra sempre? Eu descobri que tentar não ser ingênua é a nossa maior ingenuidade, eu descobri que ser inteira não me dá medo porque ser inteira já é ser muito corajosa, eu descobri que vale a pena ficar três horas te olhando sentada num sofá mesmo que o dia esteja explodindo lá fora. E quando já não sei mais o que sentir por você, eu respiro fundo perto da sua nuca, e começo a querer coisas que eu nem sabia que existiam.

sábado, setembro 11, 2010

Jamais esquecerei

Eu já estava cansado da minha rotina, daquela monotonia. Dormir, comer, dormir, comer. De interessante na minha vida? Nada! Ela era praticamente uma mentira, com 19 anos eu ainda era virgem, mas meus amigos nem sonhavam, pensavam que eu já havia perdido com uma puta qualquer, queria eu ter perdido com uma puta qualquer, teria sido bem melhor. Não posso dizer que aquele dia estava bonito, que era um dia especial, especial pra quem? Para o Papa? Para o presidente? Porque para mim mesmo não. Dói-me toda vez que me lembro daquele dia, cheguei até em pensar que teria sido melhor eu ter morrido, por algum acidente de carro, engasgado com uma ervilha, ou sei lá.
Não me perguntem o que eu teria feito se eu pudesse ter voltado no tempo, já pensei em tantas coisas, talvez nada, talvez tivesse o matado ou talvez, talvez.
Nas minhas andanças pela cidade, conheci de velhos a jovens, de homens a mulheres. Cheguei até ter um rolo com uma coroa casada, mas foi coisa de um dia, depois, fingiu que nem me conhecia, eu fiz o mesmo, se ela não queria algo sério, eu mesmo que não iria querer.
Entrei em um barzinho, recém inaugurado, bem aconchegante, havia muitos caras lá bebendo e conversando, as mesas estavam todas cheias, havia uma que só havia um rapaz, de aparentemente uns 30 anos, perguntei se eu podia sentar e ele respondeu que sim, com um sorriso aberto e sincero. Pedi uma cerveja ao garçom e começamos a conversar. Ele era bastante simpático, trabalhava em uma empresa próxima dali, não me lembro qual era seu cargo nela, ficamos muito tempo conversando e bebendo. Já estávamos tão íntimos, eu estava tão bêbado que mal conseguia me mover direito, ele se ofereceu para me levar de carro na minha casa, aceitei sem nem pensar.
Chegamos rápido ao que eu pensava ser minha casa, só reparei que eu não estava na minha rua, ao descer do carro, ele me ofereceu o ombro e me levou até a porta.
- Não precisa ter medo, é a minha casa.
Permaneci calado e continuei andando até a porta, ele a abriu, era uma sala enorme, a TV estava ligada, estava passando algum filme se eu não me engano, ouvi o barulho de uma geladeira fechando, ignorei. Entramos, ele fechou a porta e começou a desabotoar a camisa, fiquei meio sem entender, continuei lá, parado, sem reação alguma, apenas o observando.
- Não vai tirar sua camisa também não?
Não respondi nada. Apenas comecei a imitá-lo sem dizer nenhuma palavra como sempre. Eu já não me reconhecia mais, depois de ter entrado naquela casa, eu estava disposto a qualquer coisa que acontecesse.
Ele começou a se aproximar pouco a pouco de mim, pensei em recuar, mas logo espantei essa idéia de minha cabeça, ele se agachou e desabotoou minha calça, olhou para mim e me mostrou aquele belo sorriso, comecei a afogar seu cabelo. Ele abaixou minha calça e juntamente minha cueca, devagar, ele vê meu pau e me olha outra vez, com aquele sorriso, que eu nunca vi igual.
- Gostei do tamanho.
Não, não era ele que tinha falado isso, era outro alguém, alguém que já estava nos observando há tempo, olho para trás e vejo uma mulher semi-nua, olhando para mim com um sorriso malicioso.
- Esse já é outro Caio?
- Claro. Tenho que variar o cardápio.
Fiquei lá pasmo, imaginando milhões de coisas, que poderiam e iriam acontecer ali.
- Como é o nome dele?
- Como é o seu nome mesmo?
- Will e o dela?
- Ah, nomes não são importantes, nós não iremos utilizá-los mesmo. Não é Caio?
- Sim amor.
Ela começou a se aproximar de mim e de Caio, conforme ela andava, tirava as poucas vestes que tinha, Caio pegou em meu pau e começou a brincar com ele. Eu soltei um leve gemido. Ela riu. Tinha uns peitos firmes e médios. Aparentava ter menos de 40 anos. Caio parou com a brincadeira e levantou-se, retirou sua calça rapidamente mostrando-nos seu belo pau.
- Já tá assim amor?
- E tem como não ficar?
Nós três rimos. Ela chegou perto de mim e começou a me beijar, parou e ajustou meu pau próximo a vagina dela, que logo comeu meu pau. Comecei a sentir outras mãos me acariciando. Era Caio; ele estava atrás de mim, começou a alisar minha bunda, eu gemia com aquilo tudo, duas pessoas me querendo com tanto afinco, aquilo nunca acontecera. A mulher me beijava com fervor e calor. Comecei a sentir algo duro cutucando minha bunda.
- Delicia. – Caio sussurrou no meu ouvido.
Ele começou a forçar pouco a pouco; ela não parava com os beijos e o vai-e-vem, eu já estava perto de gozar, comecei a sentir uma dor, que aumentava aos poucos, começou a se misturar com uma espécie de prazer, eu já não sabia mais, qual dos dois eu estava sentindo ao certo, mas posso dizer que aquele momento foi maravilhoso. Gritei de dor, senti que havia entrado tudo, estávamos em um verdadeiro “trenzinho”, começamos a alternar nosso vai-e-vem, até chegarmos ao ponto certo, o ponto o qual nós dois íamos e víamos ao mesmo tempo. E assim gozamos, ele dentro de mim e eu dentro dela.
Jamais poderia esquecer esse dia em minha vida, Caio me mostrou onde ficava o banheiro, tomei uma ducha e saí dali, caminhando, procurando a esmo o rumo de casa.

Espero que gostem, conto de minha autoria ( com certas "contribuições" de Mairana ) 'uhsahusahusauh ;)

quinta-feira, setembro 09, 2010

29 de Fevereiro

E aqui vai a última parte do conto, espero que gostem.

Miller já estava enrubescida de raiva, respirou fundo, tentando acalmar toda aquela raiva. Quem era aquele garoto, que nunca vira antes na vida? Cidade pequena; era difícil ter gente nova por ali, mas bem que não era possível; como ele sabia que ela estava solteira a tanto tempo? Mas Agatha sabia que o último relacionamento, não tinha sido culpa dela, ela ao menos achava isso, afinal de contas, será que ela poderia ter culpa dele a ter traído? Balançou com força a cabeça, tentando se livrar dessa idéias.

- Você está bem? – perguntou Brian, quase que querendo abraçá-la.
- Estou, estou.

Pouco a pouco, o movimento na rua crescia, pessoas, carros, motos e bicicletas vinham e iam. Lá estavam indo os dois, andando a esmo, um ao lado do outro, volta e meia discutindo ou rindo. Parecia que Brian já a conhecia há tanto tempo, parecia até que ele sabia mais sobre ela, do que ela mesma.
As horas se passavam, conversas iam e vinham. Já não havia mais ruas para andar, os pés dos dois já doíam, as barrigas roncavam e os corpos imploravam por descanso. Nenhum dos dois queria que a mágica daquele momento, acabasse, por eles, poderiam ficar andando até a eternidade, mas a realidade é sempre mesma, aquela de sempre. Miller não sabia nem ao menos onde esse rapaz morava, de onde tinha vindo, nem a idade ele quis dizer. Ela no começo não se importou com isso, mas aos poucos começava a necessidade e a curiosidade de saber desses pequenos fatos. Preferiu não tocar outra vez no assunto. Ele a deixou em sua casa e despediu, marcaram-se de se verem a noite, em uma praça próxima do centro da cidade.
Quando chegou sua mãe já estava praticamente desesperada, já havia pensado até em ligar para policia, afinal de contas, a sua filha havia saído às 8 horas da manhã. Agatha mal ouviu as reclamações e sermões da mãe, simplesmente subiu para o quarto, pensando, pensando nessas horas que tinha acabado de viver, havia tanta beleza e mistério naquele garoto.
Começou as suas dúvidas, se perguntou se o seu nome era aquele mesmo, se ele era mesmo tudo aquilo que tinha falado. Olhava para o relógio a cada estante, a hora não se passava e as dúvidas só cresciam e cresciam. Ouviu os gritos da mãe chamando-a para jantar, comeu o tão lento quanto pode, tentando assim de algum modo passar o seu tempo. Não havia muito que se fazer naquela cidade. Decidiu não ficar em casa, visitou uns amigos, comprou umas coisas no supermercado e logo após tentou dormir, sono que só demorou a chegar.
Agatha olhou para os dois lados e viu que já era noite, banhou-se, comeu e saiu, cantarolando pelas ruas, ao encontro do seu amado. Ele já estava lá na praça a esperando, com uma linda rosa branca, ela o viu e correu, ele levantou e abriu os braços de encontro a ela, foi um abraço demorado, sincero, carinhoso. Ela já amava o sorriso dele, já amava o modo que ele falava com ela, já amava seu jeito de ser, seu jeito de pensar, os poemas que recitara para ela. Passaram a noite naquela praça, não tão cheia, nem tão vazia. Conversando, beijando, namoricando.
As horas se passaram rapidamente; aqueles que passavam, ficavam surpresos por Miller ter arranjado um namorado, uma menina tão fechada, que só espantava os rapazes, agora estava com um aos amassos, muitos ficaram até sem entender, olhavam até sem nenhuma sutileza só para ter a certeza que era ela mesma.
E chegou a hora do conto de fada acabar, Agatha percebeu que Brian estava chorando.

- O que foi Brian?
- Me desculpe, não sou nada disso que você pensava. Na verdade, amanhã nem estarei aqui mais! Não sou daqui, me desculpe.
- Mas Brian, não se importe com a distancia, damos um jeito.
- Entenda, não há como dá um jeito nessa distância. Ela é maior do que você imagina.
- Como assim Brian? Não estou ti entendendo.
- Me desculpe, já está tarde demais.
- Calma! Explique-me, por favor!
Os olhos de Agatha começaram a lacrimejar ao dizer isso, ela estava confusa, sentindo já um vazio, antes mesmo de Brian ir.
- Você jamais entenderá, nem eu mesmo entendo o porque disso. Daqui a 4 anos estarei aqui outra vez...
- Daqui a 4 anos? Por que?
- Não sei explicar o certo, minha vida é assim, só estou aqui no dia do meu aniversário. Desculpe-me. Adeus.


E assim ele se foi, correndo na escuridão das ruas. Agatha não olhou em nenhum momento para que lado ele foi, enxugou as lágrimas do rosto e voltou, voltou para sua casa, voltou para seu lar, para sonhar outra vez, com seu príncipe encantado.

Comentem ae ;)

quarta-feira, setembro 08, 2010

O Poeta - Luís Fernando Veríssimo

Disse o homem:
— Teus cabelos são como trigais ao vento, tanta beleza eu não agüento.
A mulher sorriu. Era a primeira vez que iam para a cama. Ela não sabia
que ele fazia versos. Ainda mais numa situação daquelas. Ele continuou:
— Tua fronte, amada, tem o frescor da madrugada. Teus olhos límpidos
e sensuais são como tépidos mananciais. Esses lábios lindos de que és dona,
como pétalas de anemona...
Ela hesitou, depois disse:
— Acho que é anêmona.
— Como é?
— Não é anemona, é anêmona.
— Tem certeza?
— Não tem importância. Continua.
— Espera. O que é que rima com anêmona?
— Deixa pra lá.
Mas ele tinha sentado na cama e agora, em vez de acariciá-la, espremia
a própria cabeça.
— Anêmona, anêmona...
— Sêmola.
— Hein?
— Sêmola rima com anêmona.
— Pois é... — hesitou ele.
Era um desafio. Ele levantou-se da cama e deu algumas voltas, nu, pelo
quarto.
— Sêmola, sêmola...
De repente estalou os dedos. Tinha encontrado. Voltou rapidamente para
a cama e retomou a mulher nos braços.
— Onde nós estávamos?
— Na boca.
— Tua boca tem gosto de sêmola, teus lábios são pétalas de anêmona.
— Você é um poeta mesmo.
— Todo o teu rosto tão raro do nosso amor é o labaro.
— Não é...
Ele parou e afastou-se.
— Não é o quê?
— Nada, não. Continua, continua — disse ela, puxando-o de volta.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Medo e Obsessão

Fui no embalo de Linderson e resolvi fazer um conto e postar aqui, espero que gostem ;D


Medo e Obsessão

Eu sempre soube que ele me observava, ele não fazia a mínima questão de se esconder ou ser discreto, eu o via na janela de sua casa olhando para mim ou na sala de aula me encarando. Ele era um garoto estranho, que eu evitava falar, fingia que não o via e achava que isso seria o melhor para mim. Ou não. Pois mesmo eu não o olhando e tentando evitá-lo ao máximo, ele sempre estava olhando para mim. E não sabia ao menos disfarçar tal obsessão. Isso me deixava assustada. Eu tinha pânico só em imaginar voltar sozinha para casa, com aquele garoto me perseguindo, a minha sorte era Caren, uma menina do colégio. Ela morava perto da minha casa e sempre vinha comigo. Mas ela morava um pouco antes e eu tinha que andar sozinha até chegar a minha casa. Era com certeza a coisa mais aterrorizante e eu passava por essa tensão todo dia. Aterrorizante porque eu percebia os olhos daquele garoto sobre mim, e eram olhos furiosos. Dan era o seu nome, e só de falar já fico arrepiada, pois me lembro do pior dia da minha vida. O dia em que ele resolveu que eu seria sua.

Antes que eu esqueça, o meu nome era Elizabeth. E eu estava longe de ser a garota linda e popular do colégio. Mas tinha amigos, tirava boas notas e era feliz com a vida que eu tinha. Até o dia em que o Dan, fez algo que mudou tudo.

Eu não entendia a obsessão dele por mim, eu não era muito atraente e não posso dizer que tinha muitos pretendentes, pois não tinha.

Estava tudo normal, até que um dia eu recebi uma notícia da Caren, que me deixou muito abalada, ela iria morar em outra cidade. As palavras dela gritavam em minha cabeça; ‘Elizabeth, eu vou me mudar’. As palavras que mudaram completamente a minha vida. Um mês depois, Caren foi embora e eu fiquei em estado de pânico, eu teria que voltar sozinha a partir daquele dia, quer dizer, quase sozinha, pois ele sempre estava comigo.

O tempo passou muito rápido e logo chegou o dia em que eu teria que voltar sozinha para minha casa. Sem a Caren, eu estava paranóica, passei todo o tempo que estava na escola, olhando para os lados, procurando o Dan, sempre que o achava ele estava me olhando. E isso me deixava ainda mais apreensiva, não consegui aprender nada naquele dia, estava totalmente fora de mim. E tudo piorou ainda mais, quando na hora do intervalo ele se aproximou de mim e pela primeira vez, falou comigo:

- Oi, Elizabeth. Posso me sentar ao seu lado? – ele me olhava de um jeito tão assustador que fiquei com medo de recusar.

- Oi. Pode sim. – eu estava trêmula, mãos geladas e pedindo socorro por dentro.

Ele sentou-se ao meu lado e ficou me encarando por um longo tempo, sem nada dizer. Ele definitivamente me assustava, eu estava paralisada ao seu lado. Não agüentando mais decidi sair dali. E para não ser totalmente grosseira lhe disse:

- Dan, eu vou para a minha sala. Até mais. – no mesmo momento me arrependi desse ‘até mais’. Era muito melhor eu apenas ter dito “até nunca mais”. Essa era a minha vontade.

- Ah, ta certo. Eu vou junto com você então. A gente é da mesma sala mesmo né? – ao falar isso, ele pegou a minha mão, beijou-a e depois ficou segurando-a. Eu estava a ponto de sair correndo e gritando daquele lugar. Mas apenas consegui dizer.

- É.

Segui todo o caminho até a sala em silêncio, com ele ao meu lado, como sempre me olhando. Ele não percebia o quanto isso me deixava assustada, ou talvez percebesse e não se importasse com isso. Hoje, depois de tudo o que aconteceu, eu acho que tudo o que ele queria era realmente me assustar. Ao entrar na sala, fui direto ao meu lugar e me sentei sem notar a presença daquele garoto, ainda ao meu lado e me olhando como nunca. Dei um sorriso meio sem graça e tentei fazer outra coisa, abri meu caderno e comecei a rabiscar. Não adiantou muito, pois ele continuava ao meu lado, me olhando. Então, mais uma vez ele falou comigo:

- Eu notei que você está indo sozinha para sua casa. Deve ser chato não ter com quem conversar... – rezei para ele não se oferecer a vir comigo, e antes que ele terminasse de falar, fui logo dizendo.

- Não, eu gosto mais de andar sozinha. Eu tenho mais tempo para pensar. – disse isso com a voz um pouco desesperada. E ele notou isso.

- Mas, você poderia vir comigo, eu sempre saio na mesma hora que você e como moramos perto um do outro, eu pensei que talvez... – o interrompi novamente.

- Não é necessário, eu gosto de andar sozinha. E além do mais, eu seria uma chata todo o caminho. Você iria enjoar de mim.

Ele ficou calado por um momento e para meu alívio, o professor entrou na sala e mandou que todos se sentassem em seus lugares. Ele foi para seu lugar e eu não fui nem um pouco discreta em mostrar meu alívio sobre aquela situação.

Chegou a hora de ir embora. Voltei a ficar aterrorizada com a idéia de voltar para casa com ele. Peguei as minhas coisas e sai correndo da escola. Fui por um caminho diferente e mesmo assim percebi que alguém estava me seguindo. Olhei para trás e o vi. Andei ainda mais rápido para ele não conseguir me alcançar, esforço que logo percebi ser em vão. Ele parecia gostar daquele meu desespero, sua expressão não negava isso. Ele tinha um rosto de quem estava animado e eu de quem estava morrendo de medo. Ao ver a minha casa, comecei a correr ainda mais e quando cheguei, abri a porta e cai no chão, exausta. Depois desse dia, ele parou de falar comigo na escola, mas não parou de me olhar, pelo contrário, seus olhares me assustavam ainda mais. Eu ainda o via pela janela do meu quarto, parado, me encarando.

Passaram-se vários dias, até que chegou a semana do meu aniversário. Como era de se esperar, ganhei poucos presentes e apenas algumas pessoas na escola lembraram-se da data. Nesse dia para o meu espanto, Dan não apareceu na escola. Isso me deixou aliviada e ao mesmo tempo apreensiva. Eu sentia que isso não era um bom sinal. Ao terminarem as aulas, voltei para casa como de costume, sempre olhando para os lados, com medo de Dan estar me seguindo. Para minha felicidade, ele não estava em parte alguma. Felicidade esta que não durou por muito tempo, pois um pouco antes de chegar na minha casa, eu o vi. Ele tinha um sorriso diabólico em seu rosto e quando percebeu que eu ia correr dele, veio ao meu encontro. Eu fiquei sem ação. E ele falou:

- Oi, Elizabeth. Sei que hoje é o seu aniversário. Não fui à escola porque estava preparando uma surpresa para você. – ele parecia estar apreensivo ao falar isso, pois não parava de olhar para os lados. E isso me deixava muito mais assustada. Então eu disse:

- Ah, não precisava de nenhuma surpresa, eu estou um pouco apressada para chegar em casa, depois a gente se vê.

Nesse momento, foi como se ele virasse outra pessoa, me segurou pelo braço e praticamente gritou comigo:

- Você tem que vir comigo agora, eu fiz uma surpresa e você tem que vir.

Eu estava em estado de choque, ele me segurou com mais força e foi me puxando até o quintal de sua casa. Era um lugar imundo, cheio de coisas velhas, mal dava para ver a minha casa agora. Eu tentava gritar e fugir dali, mas ele tapou a minha boca, como se já imaginasse que eu faria isso. Quando chegamos em frente a uma arvore, ele me soltou e ficou olhando para mim, do mesmo jeito de antes, com olhos assustadores. Eu pensei em correr, sair dali, mas eu estava tão assustada que não conseguia sequer sair do canto. Ele então pegou um objeto que estava perto a uma árvore e me entregou. De inicio eu não entendi do que se tratava, mas logo vi que era um porta retrato, nele tinha uma montagem de fotos minhas que ele tirou enquanto eu não estava vendo, eu fiquei apavorada ao ver que tinha fotos até em momentos íntimos, como ele poderia ter tirado essas fotos? Eu o olhei e perguntei:

- Onde? ... Como? ... Como você tirou essas fotos? ... Você é... – eu estava sem palavras, diante essa situação. Ele me olhou com sarcasmo e disse:

- Eu não ficava só te olhando na escola ou pela janela do meu quarto. Eu te segui e te admirei em todos os momentos do seu dia. Até quando você dormia. E você nunca me notou.

Eu estava sem palavras diante disso, lágrimas se formaram em meu rosto. Então, eu joguei o porta retrato no chão, que ao cair quebrou-se em pedaços. Isso o deixou furioso, eu via isso em seus olhos. Então comecei a correr desesperada, mal dava pra ver o caminho, meus olhos cheios de lágrimas impediam que eu visse tudo com clareza. Quando eu senti as mãos dele me segurando mais uma vez, ele me pegou e me puxou. Eu tentava lutar contra ele, me soltar daquele menino estranho e maluco. Mas ele estava fora de si e não me soltava. Ele então gritou:

- Você será minha, por bem ou por mal. E não adianta tentar fugir. Você é minha.

E isso foi a última coisa que eu ouvi, enquanto viva. Eu não lembro o que aconteceu, mas momentos depois eu me vi caída nos braços daquele menino. Eu não estava lá, eu estava fora dali, vendo tudo de longe, como se aquele corpo caído não fosse meu. Só depois eu entendi que eu havia morrido. Eu só consegui ver aquele menino chorando sobre meu corpo e depois mais nada. Passei muito tempo sem ver nada, apenas o branco, até chegar onde estou hoje. Meu novo lar, acho que chamam de paraíso. Sim, deve ser o paraíso, aqui é lindo. E eu sou feliz aqui.



Texto : Mairana M.

29 de Fevereiro

Aí vai a primeira parte de um conto da minha autoria, aceitando sugestões e críticas.

Era dia 29 de Fevereiro e lá estava ela andando, por ruas que nunca tinha andado, conhecendo a sua cidade; camisa regata e short curto; era assim que saía para seus passeios semanais, aventurando-se pela cidade, em que nascera, vivera e que descobrira que não conhecia praticamente nada dela. Andava como qualquer uma pelas ruas, sem chamar a atenção de ninguém e se chamasse , era de um ou dois garotos, que simplesmente assobiavam ou a olhavam, com olhos de cachorros famintos. Ela simplesmente os olhava com desdém e seguia seu caminho. Um rapaz bonito, de aparentemente 20 anos, começou a acompanhá-la, Agatha ficou receosa, nunca aconteceu de um rapaz acompanhá-la.

- Oi. Eu sei o que você está pensando, não vou fazer mal nenhum a ti não.
- Como?
- Ah, fala sério, eu sei que você estava com medo de mim.
- Não, não. Só não é normal, um garoto me seguir assim.
- Garoto? E quem disse que eu estou ti seguindo?
- Desculpe-me então, pelo menos é o que parece.
- Sinto muito, mas a rua é pública, eu não tenho culpa se você é paranóica.

Agatha corou ao termino da frase, parecia que iria explodir. Afinal de contas, quem era aquele garoto, para desaforá-la daquele modo? Esse pensamento ia e vinha. Os passos dela aceleraram e logo depois vieram os deles, quem reparasse, poderia até dizer que estavam disputando uma espécie de “corrida”.

- Está correndo de mim linda?
- Claro que não, só está ficando tarde.
- Sei. Ainda é dia e já está ficando tarde?
- Você não tem mais o que fazer não?
-Se eu tivesse, não estaria aqui, esperando você me dizer seu nome.
- Agatha Miller. Tá feliz?
- Ainda não. Estou muito longe disso. Prazer, sou Brian Connoly.
- Prazer.
- Para onde estamos indo?
- Estamos?
- Claro! Formamos um belo casal, não acha?
- Belo casal? Com você no meio? Está sonhando?!
- Se eu tiver sonhando, eu nem quero acordar então.
- A tá! Usa essas cantadas baratas com todas?
- Baratas? Me diz aí, quantos já ti cantaram assim!

Agatha ficou sem voz, sem saber ao certo o que responder mentir ou ser sincera? Escolheu a de sempre.

- Já foram tantos, perdi até a conta.
- A ta! Estou precisando atualizar minhas cantadas então. Mas, para cantadas “baratas”, ti deixei até sem voz.
- Me deixa em paz cara!
- Está bem, está bem gata. Desculpe-me. – disse Brian em um puro tom de sarcasmo. – Eu só achei que uma moça, tão linda assim, não deveria ficar andando, tão solitária, pelos lugares.
- Se eu estou “solitária” ou não, não lhe interessa.
- Por isso está solteira a tanto tempo. Tão ignorante assim!
- E quem é você pra me chamar de ignorante?

Depois posto outra parte dele. Espero que tenham gostado :D

domingo, setembro 05, 2010

Martha Medeiros




Não passam as dores, também não passam as alegrias. Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve pra montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças. Aquela noite que você não conseguiu parar de chorar, aquele dia que você ficou caminhando sem saber para onde ir, aquele beijo cinematográfico que você recebeu, aquela visita surpresa que ela lhe fez, o parto do seu filho, a bronca do seu pai, a demissão injusta, o acidente que lhe deixou cicatrizes, tudo isso vai, aos pouquinhos, formando quem você é. Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de "passou". Não passou. Está lá dentro, meio perdida, mas quando você menos esperar, ela será necessária para você completar o jogo e se enxergar por inteiro.

sábado, setembro 04, 2010

Aquilo - Luís Fernando Veríssimo

— De uns tempos para cá, eu só penso naquilo.
— Eu penso naquilo desde os meus, sei lá, 11 anos.
— Onze anos?
— E. E o tempo todo.
— Não. Eu, antigamente, pensava pouco naquilo. Era uma coisa que não
me preocupava. Claro que a gente convivia com aquilo desde cedo. Via
acontecer à nossa volta, não podia ignorar. Mas não era, assim, uma
preocupação constante. Como agora.
— Pra mim sempre foi. Aliás, eu não penso em outra coisa.
— Desde criança?!
— De dia e de noite.
— E como é que você conseguia viver com isso, desde criança?
— Mas é uma coisa natural. Acho que todo mundo é assim. Você é que
é anormal, se só começou a pensar naquilo nessa idade.
— Antes eu pensava, mas hoje é uma obsessão. Fico imaginando como
será. O que eu vou sentir. Como será o depois.
— Você se preocupa demais. Precisa relaxar. A coisa tem que acontecer
naturalmente. Se você fica ansioso é pior. Aí sim, aquilo se torna uma angústia,
em vez de um prazer.
— Um prazer? Aquilo?
— Pra você não sei. Pra mim, é o maior prazer que um homem pode ter.
É quando o homem chega ao paraíso.
— Bom, se você acredita nisso, então pode pensar naquilo como um
prazer. Pra mim é o fim.
— Você precisa de ajuda, rapaz.
— Ajuda religiosa? Perdi a fé há muito tempo. Da última vez que falei
com um padre a respeito, só o que ele me disse foi que eu devia rezar. Rezar
muito, para poder enfrentar aquilo sem medo.
— Mas você foi procurar logo um padre? Precisa de ajuda psiquiátrica.
Talvez clínica, não sei. Ter pavor daquilo não é saudável.
— E eu não sei? Eu queria ser como você. Viver com a perspectiva
daquilo naturalmente, até alegremente. Ir para aquilo assoviando.
— Ah, vou. Assoviando e dando pulinho. Olhe, já sei o que eu vou fazer.
Vou apresentar você a uma amiga minha. Ela vai tirar todo o seu medo.
— Sei. Uma dessas transcendentalistas.
— Não, é daqui mesmo. Codinome Neca. Com ela é tiro e queda.
Figurativamente falando, claro.
— Hein?
— O quê?
— Do que é que nós estamos falando?
— Do que é que você está falando?
— Daquilo. Da morte.
— Ah.
— E você?
— Esquece.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Tati Bernardi



"Que você acredite que não me deve nada simplesmente porque os amores mais puros não entendem dívida, nem mágoa, nem arrependimento. Então, que não se arrependa. Da gente. Do que fomos. De tudo o que vivemos. Que você me guarde na memória, mais do que nas fotos. Que termine com a sensação de ter me degustado por completo, mas como quem sai da mesa antes da sobremesa: com a impressão que poderia ter se fartado um pouco mais. E que, até o último dia da sua vida, você espalhe delicadamente a nossa história, para poucos ouvintes, como se ela tivesse sido a mais bela história de amor da sua vida. E que uma parte de você acredite que ela foi, de fato, a mais bela história de amor da sua vida."

quinta-feira, setembro 02, 2010

A cama - Lygia Bojunga





No livro "A cama", Lygia Bojunga cria uma extensa galeria de personagens, cujas vidas se entrelaçam na disputa de uma inusitada cama - único bem material que restou a uma família outrora abastada e que agora, desencadeando conflitos ora cômicos, ora dramáticos ganha no livro o status de personagem principal.
Abrir o livro nos convida a decifrar os mistérios dessa cama, o poder que ela tem sobre os personagens, em vários momentos, como: A cama na lembrança, a cama no antiquário, a cama no morro. Todos queriam essa cama, até perceberem que ela tinha personalidade própria...
O livro "A cama", é o tipo de livro que o faz viajar na história junto com os personagens e tem uma linguagem de fácil entendimento. Confesso que o li em dois dias apenas, é uma leitura muito contagiante, você é levado pela história e assim mal percebe o tempo passar, quando vê já tem lido boa parte do livro. Um livro ótimo.


By : Mairana ;D


terça-feira, agosto 31, 2010

Os Sapatinhos Vermelhos - Caio Fernando Abreu

I

Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina - ela repetiu olhando-se bem nos olhos em frente ao espelho. Ou quando começa: certos sustos na boca do estômago. Como carrinho de montanha-russa, naquele momento lá no alto, justo antes de despencar em direção. Em direção a quê? Depois de subidas e descidas, em direção àquele insuportável ponto seco de agora.

Restava acender outro cigarro, e foi o que fez. No momento de dar a primeira tragada, apoiou a face na mão e, sem querer, esticou a pele sob o olho direito. Melhor assim, muito melhor. Sem aquele ar desabado de cansaço indisfarçável de mulher sozinha com quase quarenta anos, mastigou sem pausa e sem piedade. Com os dedos da mão esquerda, esticou também a pele debaixo de outro olho. Não, nem tanto, que assim parece japonesa. Uma japa, uma gueixa,isso é que fui. A putinha submissa a coreografar jantares à luz de velas. - Glenn Miller ou Charles Aznavour?-, vertendo trêfegos os sais - camomila ou alfazema? - na sua água da banheira, preparando uísques - uma ou duas pedras hoje, meu bem?

Nenhuma pedra, decidiu. E virou a garrafa outra vez no copo. Aprendera com ele, nem gostava antes. Tempo perdido, pura perda de tempo. E não me venha dizer mas que teve bons momentos, não teve não? A cabeça dele abandonada em seus joelhos, você deslizando devagar entre os cabelos daquele homem. Pudesse ver seu próprio rosto: nesses momentos você ganhava luz e sorria sem sorrir, olhos fechados, toda plena. Isso não valeu Adelina?

Bebeu outro gole um pouco sofrêga. Precisava apressar-se, antes que a quinta virasse Sexta-Feira Santa e os pecados começassem a pulular na memória feito macacos engaiolados: não beba, não cante, não fale nome feio, não use vermelho, o diabo está solto, leva sua alma para o inferno. Ela já estava lá, no meio das chamas, pobre alminha, nem dez da noite, só filmes sacros na tevê, mantos sagrados, aquelas coisas, Sexta-Feira da Paixão e nem sexo, nem ao menos sexo, isso de meter, morder, gemer, gozar, dormir. Aquela coisas frouxa, aquela coisa gorda, aquela coisa sob os lençóis,aquela coisa no escuro,roçar molhado de pêlos,baba e gemidos depois de - quantos mesmo? - cinco, cinco anos. Cinco anos são alguma coisa quando se tem quase quarenta, e nem apartamento próprio, nem marido, nem filhos, herança: nada. Ponto seco, ponto morto.

Ué, você não escolheu? Ele ficou parado à frente dela, muito digno e tão comportadamente
um-senhor-de-família-da-Vila-Mariana dentro do terno suavemente cinza, gravata pouco mais clara, no tom exato das meias, sapato ligeiramente mais escuro. Absolutamente controlado. Nem um fio de cabelo fora do lugar enquanto repetia pausado, didático, convincente - mas Adelina, você sabe tão bem quanto eu, talvez até melhor, a que ponto de desgaste nosso relacionamento chegou. Devia falar desse jeito mesmo com os alunos, impossível que você não perceba como é doloroso para mim mesmo encarar esse rompimento. Afinal, a afeição que nutro por você é um fato.

Teria mesmo chegado ao ponto de dizer nutro? Teria, teria sim, teria dito
nutro&relacionamento&rompimento&afeto, teria dito também estima&consideração&mais alto apreço e toda essa merda educada que as pessoas costumam dizer para colorir a indiferença quando o coração ficou inteiramente gelado. Uma estalactite - estalactite ou estalagmite? merda, umas caíam de cima, outras subiam de baixo, mas que importa: aquela lança fininha de gelo afiado - cravada com extrema cordialidade no fundo do peito dela. Vampira, envelheceria séculos lentamente até desfazer-se em pó aos pés impassíveis dele. Mas ao contrário, tão desamparada e descalça, quase nua, sem maquilagem nem anjo da guarda, dentro de uma camisola velha de pelúcia, às vésperas da Sexta-Feira Santa, sozinha no apartamento e no planeta Terra.

Esmagou o cigarro, baixou a cabeça como quem vai chorar. Mas não choraria mais uma gota sequer, decidiu brava, e contemplou os próprios pés nus. Uns pés pequenos, quase de criança, unhas sem pintura, afundados no tapetinho amarelo em frente à penteadeira. Foi então que lembrou dos sapatinhos. Na segunda-feira tentando reunir os fragmentos, não saberia dizer se teria mesmo precisado acender outro cigarro ou beber mais um gole de uísque para ajudar a idéia vaga a tomar forma. Talvez sim, pouco antes de começar a escancarar portas e gavetas de todos os armários e cômodas, à procura dos sapatos. Que tinham sido presente dele, meio embriagado e mais ardente depois de um daqueles fins de semana idiotas no Guarujá ou Campos do Jordão, tanto tempo atrás. Viu-se no espelho de má qualidade, meio deformada, uma mulher descabelada jogando caixas e roupas para os lados até encontrar, na terceira gaveta do armário, o embrulho em papel de seda azul-clarinho.

Desembrulhou cuidadosamente. Uma súbita calma. Quase bailarina em gestos precisos, medidos, elegantes. O silêncio completo do apartamento vazio quebrado apenas pelo leve farfalhar do papel de seda desdobrado sem pressa alguma. E eram lindos, mais lindos do que podia lembrar. Mais lindos do que tinha tentado expressar quando protestou, comedida e comovida - mas são tão... tão ousados, meu bem, não tem nada a ver comigo. Que evitava cores, saltos, pinturas, decotes, dourados ou qualquer outro detalhe capaz sequer de sugerir sua secreta identidade de
mulher-solteira- e– independente-que-tem-um-amante-casado.

Vermelhos - mais que vermelhos: rubros, escarlates, sanguíneos - com saltos finos altíssimos, uma pulseira estreita na altura do tornozelo. Resplandeciam nas suas mãos. Quase cedeu ao impulso de calçá-los imediatamente, mas sabia instintiva que teria primeiro que cumprir o ritual. De alguma forma, tinha decorado aquele texto há tanto tempo que apenas o supunha esquecido. Como uma estréia adiada, anos. Bastavam as primeiras palavras, os primeiros movimentos, para que todas as marcas e inflexões se recompusessem em requintes de detalhes na memória. O que faria a seguir seria perfeito, como se encenado e aplaudido milhares de vezes.

Perfeitamente: Adelina colocou um disco - nem Charles Aznavour, nem Glenn Miller, mais uma úmida Billie Holiday, I’m glad, you’re bad, tomando o cuidado de acionar o botão para que a agulha voltasse e tornasse a voltar sempre, don’t explain , depois deixou a banheira encher aos poucos de suave água morna, salpicou os sais antes de mergulhar, com Billie gemendo rouca ao fundo, lover man, e lavou todos os orifícios, e também os cabelos, todos os cabelos, enfrentou o chuveiro frio, secou o corpo e cabelos enquanto esmaltava as unhas dos pés, das mãos, no mesmo tom de vermelho dos sapatos, mais tarde desenhou melhor a boca, já dentro do vestido preto justo, drapeado de crepe, preso ao ombro por um pequeno broche de brilhantes, escorregando pelo colo para revelar o início dos seios, acentuou com lápis o sinal na face direita, igualzinho ao de Liz Taylor, todos diziam, sublinhou os olhos de negro, escureceu os cílios, espalhou perfume no rego dos seios, nos pulsos, na jugular, atrás das orelhas, para exalar quando você arfar, minha filha, então as meias de seda negra transparente, costura atrás, tigresa noir, Lauren Bacall, e só depois de guardar na carteira, talão de cheques, documentos, chave do carro, cigarros e o isqueiro de prata que tirou da caixinha de veludo grená, presente de trinta e sete, só mesmo quando estava pronta dos pés à cabeça e desligara o toca-discos, porque eles exigiam silêncio - foi que sentou outra vez na penteadeira para calçar os sapatinhos vermelhos.

Apagou a luz do quarto, olhou-se no espelho de corpo inteiro do corredor. Gostou do que viu. Bebeu o último gole de uísque e, antes de sair, jogou na gota dourada do fundo do copo o filtro branco manchado de batom.

II

Eram três, estavam juntos, mas o negro foi o primeiro a pedir licença para sentar. A única mulher sozinha na boate. Tinha traços finos o negro, afilados como os de um branco, embora os lábios mais polpudos, meio molhados. Músculos que estavam dentro da camisa justa, dos jeans apertados. Leve cheiro de bicho limpo, bicho lavado, mas indisfarçavelmente bicho atrás do sabonete.

- E aí, passeando? - ele perguntou, ajeitando-se na cadeira à frente dela.

Curvou-se para que ele acendesse seu cigarro. A mão grande, quadrada, preta e forte não se moveu sobre a mesa. Ela mesma acendeu, com o isqueiro de prata. Depois jogou a cabeça para trás - a marcação era perfeita - tragou fundo e, entre a fumaça, soltou as palavras sobre os patéticos pratinhos de plástico com amendoim e pipocas:

- Você sabe, feriado. A cidade fica deserta, essas coisas. Precisa aproveitar, não?

Por baixo da mesa, o negro avançou o joelho entre as coxas dela. Cedeu um pouco, pelo menos até sentir o calor aumentando. Mas preferiu cruzar as pernas estudada. Que não assim, tão fácil, só porque sozinha. E quase quarentona, carne de segunda, coroa. Sorriu para o outro, encostado no balcão, o moço dourado com jeito de tenista. Não que fosse louro, mas tinha aquele dourado do pêssego quando mal começa a amadurecer espalhado na pele, nos cabelos, provavelmente nos olhos que ela não conseguia ver sem óculos, à distância. O negro acompanhou o seu olhar , virando a cabeça sobre o próprio ombro. De perfil - ela notou - o queixo era brusco, feito a machado. Mesmo recém – feita, a barba rascaria quando se passasse a mão. Antes que dissesse qualquer coisa, ela avançou com voz muito rouca:

- Por que não convida seus amigos para sentar com a gente? - Ele rodou um amendoim entre os dedos. Ela tomou o amendoim dos dedos dele. O crepe escorregou do ombro para revelar o vinco entre os dois seios - Acho que você não precisa disso.

O negro franziu a testa. Depois riu. Passou o indicador nas costas da mão dela, pressionando:

- Pode crer que não.

Soprou a fumaça na cara dele:

- Será?
- Garanto a você.

Descruzou as pernas. O joelho dele tornou a apertar o interior de suas coxas. Quero te jogar no solo a música dizia.

- Então chame seus amigos.
- Você não prefere que a gente fique só nós dois?

Tão escuro ali dentro que mal se podia ver o outro, ao lado do tenista dourado. Um pouco mais baixo, talvez. Mas os ombros largos. Qualquer coisa no porte, embora virado de costas para ela, de frente para o balcão, curvado sobre o copo de bebida, qualquer coisa na bunda firme desenhada, pelo pano da calça --- qualquer coisa ali prometia. Remexeu as pedras de gelo do uísque na ponta das unhas vermelhas.

- Uns rapazes simpáticos. Assim sozinhos. Não são seus amigos?
- Do peito - ele confirmou. E apertou mais o joelho. A calcinha dela ficou úmida - Tudo gente boa.
- Gente boa é sempre bem-vinda
Falava como a dublagem de um filme. Uma mulher movia o corpo e a boca: ela falava. Um filme preto e branco, bem contrastado, um filme que não tinha visto, embora conhecesse bem a história. Porque alguém contara, em hora de cafezinho, porque vira os cartazes ou lera qualquer coisa numa daquelas revistas femininas que tinha aos montes em casa. As mais recentes, na parte de baixo da mesinha de vidro da sala. As outras acumuladas no banheiro de empregada, emboloradas por um eterno vazamento no chuveiro, que a diarista depois levava. Para vender, dizia. E ela odiava contida a idéia das páginas coloridas das revistas dela embrulhando peixe na feira ou expostas naquelas bancas vagabundas do centro da cidade.

Se você quer mesmo - o negro disse. E esperou que ela dissesse alguma coisa, antes de erguer a mão chamando os outros dois.

- Não quero outra coisa - sussurrou.

E muito de repente - porque depois do quarto ou quinto uísque tudo acontece sempre assim, sem que se possa determinar o ponto exato de transição, quando uma situação passa a ser outra situação - quase de repente, o tenista dourado estava ao lado direito dela, e o rapaz mais baixo à sua esquerda. Na cadeira em frente, o negro olhava tudo e com atentos olhos suspeitosos. Perguntou o que bebiam, eles disseram juntos e previsíveis: cerveja. Ela falou nossa, bebam algum drinque mais estimulante, vocês vão precisar, rapazes, um ar de Mae West. Todos os três explicaram que estavam duros, a crise, você sabe, mas de jeitos diferentes. O tenista dourado chegou a puxar o forro do bolso para fora e mostrou, pegando a mão dela, veja, veja só, pegue aqui, mas ela retirou a mão pouco antes de tocar. Tão próximo o calor latejante na beira dos dedos. Problema nenhum, ofereceu pródiga: eu pago. A fita da garrafa pela metade, serviu do uísque dela ao negro e ao tenista-dourado. Não ao mais baixo, que preferia vodca, natasha mesmo serve. Ela então atentou nele pela primeira vez. Todo pequeno e forte, cabelos muito crespos, contrastando com a pele branca, lábios vermelhos, barba de dois, três dias, quase emendada nos cabelos do peito fugidos da gola da camisa, mãos cruzadas um tanto tensas, unhas roídas, sobre o xadrez da toalha. Cabeça baixa, concentrado em sua pequenez repleta da vitalidade que certeira, ela adivinhava mesmo antes de provar.

Pacientes, divertidos, excitados: cumpriram os rituais necessários até chegar ao ponto. Que o negro era Áries, jogador de futebol, mês que vem passo ao primeiro escalão, ganhando uma grana. Sérgio ou Sílvio, qualquer coisa assim. O tenista-dourado, Ricardo, Roberto ou seria Rogério? Um bancário sagitariano, fazia musculação e os peitos que pediu que tocasse eram salientes e pétreos como os de um halterofilista, sonhava ser modelo, fiz até umas fotos, quiser um dia te mostro, peladinho, e ela pensou: vai acabar michê de viado rico. Do mais baixo só conseguiu arrancar o signo, Leão, isso mesmo porque adivinhou, não revelou nome nem disse o que fazia, estava por aí, vendo qual era, e não tinha saco de fazer de social.

Eu? Gil-da, ela mentiu retocando o batom. Mas mentia só em parte, contou para o espelhinho, porque de certa forma sempre fui inteiramente Gilda, Escorpião, e nisso dizia a verdade, atriz, e novamente mentia, só de certa forma, porque toda a minha vida.

Então dançaram, um de cada vez. O negro apoiou a mão pesada na cintura dela e, puxando – a para si, encaixou o ventre dos dois, quase como se a penetrasse assim. Ao som de Roberto Carlos daqueles de motel, o côncavo, o convexo, tão apertado e rijo que ela temeu que molhasse a calça. Mas de volta à mesa, ao acariciar disfarçada o volume, tranqüilizou-se antes de sair puxada pela mão dourada do tenista-dourado.Que a fez encostar a cabeça entre os dois peitos dele, cheiro de colônia, desodorante, suor limpo de homem embaixo da camisa pólo amarelinha, lambeu a orelha dela, mordiscou a curva do pescoço ao som duma dessas trilhas românticas em inglês de telenovela, até que ela gemesse, toda molhada, implorando que parasse. O mais baixo não quis dançar. Quero foder você, rosnou: pra que essa frescura toda?

Foi quando ela levantou a perna, apoiando o pé na borda da cadeira, que todos viram o sapato vermelho. Depois dos comentários exaltados, as meticulosas preparações estavam encerradas, a boate quase vazia, sexta-feira instalada, era da Paixão, cinza cru de amanhecer urbano entrando pelas frestas, o único garçom impaciente, cadeiras sobre as mesas. Tinham chegado ao ponto. O ponto vivo, o ponto quente.

- Pra onde? - perguntou o tenista-dourado.
- Meu apartamento, onde mais?- ela disse, terminando de assinar o cheque, três estrelas, caneta importada.
- Mas afinal, com quem você quer ir?- o negro quis saber.
Ela acariciou o rosto mais baixo:
- Com os três, ora.

Apesar do uísque, saiu pisando firme nos sapatos vermelhos, os três atrás. Lá fora, na luz da manhã, antes de entrarem no carro que o manobrista trouxe e o tenista-dourado fez questão de dirigir, os sapatos vermelhos eram a única coisa colorida daquela rua.

III

Que tirasse tudo, menos os sapatos - os três imploraram no quarto em desordem. Garrafa de uísque na penteadeira. Fafá de Belém antiga no toca-discos (escolha do tenista-dourado, o negro queria Alcione), cinzeiro transbordante na mesinha de cabeceira. Tirou tudo, jogando para os lados. Menos a meia de seda negra, com costura atrás, e os sapatinhos vermelhos. Nua, jogou-se na colcha de chenile rosa, as pernas abertas. Eles cercaram lentos, jogando as zorbas sobre o crepe negro.

O negro veio por trás, que gostava assim, tão apertadinho. Ela nunca tinha feito, mas ele jurou no ouvido que seria cuidadoso, depois mordeu-a nos ombros, enquanto a virava de perfil, muito suavemente, molhando-a de saliva com o dedo, para que o mais baixo pudesse continuar a lambe-la entre as coxas, enquanto o tenista-dourado, de joelhos, esfregava o pau pelo rosto dela, até encontrar a boca. Tinha certo gosto também de pêssego, mas verde demais, quase amargo, e passando as mãos pelas costas dele confirmou aquela suspeita anterior de uma penugem macia num triângulo pouco acima da bunda, igual ao peito, acinzentado pelo amanhecer varando persianas, mas certamente dourado à luz do sol. Foi quando o negro penetrou mais fundo que ela desvencilhou-se do tenista-dourado para puxar o mais baixo sobre si. Ele a preencheu toda, enquanto ela tinha a sensação estranha de que, ponto remoto dentro dela, dos dois lados de uma película roxa de plástico transparente, como num livro que lera, os membros dos dois se tocavam, cabeça contra cabeça. E ela primeiro gemeu, depois debateu-se, procurou a boca dourada do tenista – dourado e quase, quase chegou lá. Mas preferia servir mais um uísque, fumar mais um cigarro, sem pressa alguma, porque pedia mais, e eles davam, generosos, e absolutamente não se espantar quando então invertiam-se as posições, e o tenista-dourado vinha por trás ao mesmo tempo que o mais baixo introduzia-se em sua boca, e o negro metido dentro dela conseguia transformar os gemidos em gritos cada vez mais altos, fodam-se os vizinhos, depois cada vez mais baixo novamente, rosnandos, grunhindos, até não passarem de soluço miudinhos, sete galáxias atravessadas, o sol de Vegas no décimo quarto grau de Capricórnio e a cara afundada nos cabelos pretos encaracolados do negro peito largo dele. De outros jeitos, de todos os jeitos: quatro,cinco vezes. Em pé, no banheiro, tentando aplacar-se embaixo da água fria do chuveiro. Na sala, de quatro nas almofadas de cetim, sobre o sofá, depois no chão. Na cozinha, procurando engov e passando café, debruçada na pia. Em frente ao espelho de corpo inteiro do corredor, sem se chocar que o mais baixo de repente viesse também por trás do tenista-dourado dentro dela, que acariciava o pau do negro até que espirrasse em jatos sobre os sapatos vermelhos dela, que abraçava os três, e não era mais Gilda, nem Adelina nem nada. Era um corpo sem nome, varado de prazer, coberto de marcas de dentes e unhas, lanhados de tocos de barbas amanhecidas, lambuzadas de leite sem dono dos machos das ruas. Completamente satisfeita. E vingada.

Quando finalmente se foram, bem depois do meio-dia, antes de jogar-se na cama limpou devagar os sapatos com uma toalha de rosto que jogou no cesto de roupa suja. Foi o néon, repetiu andando pelo quarto, aquelas luzes verdes, violetas e vermelhas piscando em frente à boate, foi o néon maligno da Sexta-Feira Santa, quando o diabo se solta porque Cristo está morto, pregado na cruz. Quando apagou a luz, teve tempo de ver-se no espelho da penteadeira, maquilagem escorrida pelo rosto todo, mas um ar de triunfo escapando do meio dos cabelos soltos.

Acordou no Sábado de Aleluia, manhã cedo, campainha furando a cabeça dolorida. Ele estava parado no corredor, dúzia de rosas vermelhas e um ovo de Páscoa nas mãos, sorriso nos lábios pálidos. Não era preciso dizer nada. Só sorrir também. Mas ela não sorria quando disse:

- Vai embora. Acabou.

Ele ainda tentou dizer alguma coisa, aquele ridículo terno cinza. Chegou mesmo a entrar um pouco na sala antes que ela o empurrasse aos gritos para fora, quase inteiramente nua, a não ser pelas meias de seda e os sapato vermelhos de saltos altíssimos. Havia um cheiro de cigarro e bebida e gozo entranhado pelos cantos do apartamento, a cara ressacada dela, manchas roxas de chupões no colo. Pela primeira, única e última vez ele a chamou muitas vezes de puta, puta vadia, puta escrota depravada e pervertida. Jogou o ovo e as rosas vermelhas na cara dela e foi embora para sempre.

Só então ela sentou para tirar os sapatos. Na carne dos tornozelos inchados, as pulseiras tinham deixado lanhos fundos. Havia ferimentos espalhados sobre os dedos. Tomou banho quente, arrumou a casa toda antes de deitar-se outra vez - o broche de brilhantes tinha desaparecido, mas que importava: era falso -, tomar dois comprimidos para dormir o resto do sábado e o domingo de Páscoa inteiros, acordando para comer pedaços de chocolate de ovo espatifado na sala.

Segunda-feira no escritório, quando a viram caminhando com dificuldade, cabelos presos, vestida de marrom, gola fechada, e quiseram saber o que era - um sapato novo, ela explicou muito simples, apertado demais, não é nada. Voltavam a doer, os ferimentos, quando ameaçava chuva.E ao abrir a terceira gaveta do armário para ver o papel de seda azul – clarinho guardando os sapatos, sentia um leve estremecimento. Tentava - tentava mesmo? - não ceder. Mas quase sempre o impulso de calçá-los era mais forte. Porque afinal, dizia-se, como num conto de Sonia Coutinho, há tantas sextas-feiras, tantos luminosos de néon, tantos rapazes solitários e gostosos perdidos nesta cidade suja... Só pensou em joga-los fora quando as varizes começaram a engrossar, escalando as coxas, e o médico então apalpou-a nas virilhas e depois avisou quê.


By: Mairana ;D