quarta-feira, setembro 08, 2010

O Poeta - Luís Fernando Veríssimo

Disse o homem:
— Teus cabelos são como trigais ao vento, tanta beleza eu não agüento.
A mulher sorriu. Era a primeira vez que iam para a cama. Ela não sabia
que ele fazia versos. Ainda mais numa situação daquelas. Ele continuou:
— Tua fronte, amada, tem o frescor da madrugada. Teus olhos límpidos
e sensuais são como tépidos mananciais. Esses lábios lindos de que és dona,
como pétalas de anemona...
Ela hesitou, depois disse:
— Acho que é anêmona.
— Como é?
— Não é anemona, é anêmona.
— Tem certeza?
— Não tem importância. Continua.
— Espera. O que é que rima com anêmona?
— Deixa pra lá.
Mas ele tinha sentado na cama e agora, em vez de acariciá-la, espremia
a própria cabeça.
— Anêmona, anêmona...
— Sêmola.
— Hein?
— Sêmola rima com anêmona.
— Pois é... — hesitou ele.
Era um desafio. Ele levantou-se da cama e deu algumas voltas, nu, pelo
quarto.
— Sêmola, sêmola...
De repente estalou os dedos. Tinha encontrado. Voltou rapidamente para
a cama e retomou a mulher nos braços.
— Onde nós estávamos?
— Na boca.
— Tua boca tem gosto de sêmola, teus lábios são pétalas de anêmona.
— Você é um poeta mesmo.
— Todo o teu rosto tão raro do nosso amor é o labaro.
— Não é...
Ele parou e afastou-se.
— Não é o quê?
— Nada, não. Continua, continua — disse ela, puxando-o de volta.

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